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Coluna de Direito: GOVERNO DEVE INDENIZAR EM RAZÃO DA PARALISAÇÃO DO TRABALHO?

  • 03/04
  • Geral
  • Jornalismo

O assunto que tem dominado os meios de comunicação e as redes sociais, como não poderia ser diferente, é o Covid-19. O assunto é sério e tem gerado claras divergências entre o governo federal e os governos estaduais e municipais, especialmente quanto às medidas para contenção do vírus.

 

Uma das divergências que se mostrou mais acentuada e com maiores reflexos para a população se deu em relação ao isolamento social. Enquanto o Presidente da República pende para o isolamento vertical (grupos de risco), governos estaduais e municipais defendem o isolamento horizontal, restringindo o funcionamento de determinados estabelecimentos comerciais, considerados não essenciais para o atual momento de crise.

 

Não se pretende adentrar no mérito da questão para definir quem está com mais ou menos razão. No entanto, é evidente que com o isolamento horizontal, que vem sendo adotado em grande escala no país, a economia começa a padecer. As empresas, por consequência, ficam sem receita. Sem receita a empresa fecha e os postos de trabalho são extintos. Sem salário, até mesmo as necessidades básicas da família ficam comprometidas. Com isso, a crise vai tomando proporções sérias e sem precedentes.

 

O Presidente da República, por considerar exageradas algumas medidas adotas por alguns chefes dos executivos estaduais e municipais, em habitual entrevista concedida na saída do Palácio da Alvorada, na semana passada, mencionou o seguinte:

 

"Tem um artigo na CLT que diz que todo empresário ou comerciante que for obrigado a fechar seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo (...) Os encargos trabalhistas quem paga é o governador e o prefeito. Tá ok?”

 

A fala do Presidente, que evidencia atritos políticos, trouxe ao debate o artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe o seguinte:

 

"Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.”

 

Embora tenham sido anunciadas algumas medidas pelo governo federal, não são poucos os empresários que estão preocupados com o adimplemento das despesas decorrentes do negócio, em especial, da folha de pagamento de seus colaboradores.

 

Várias são as notícias de que muitas empresas não poderão suportar por muito mais tempo a paralisação das atividades e, consequentemente, terão que demitir funcionários.

 

Eis então que surge a indagação se os governos municipais, estaduais e o federal devem indenizar, conforme preceitua o art. 486 da CLT.

 

O tema é controvertido e tem divido especialistas. Alguns entendem que sim, os governos responsáveis por medidas de paralisação devem indenizar, e outros defendem não ser cabível a tese, em especial pela situação atual de pandemia. No entanto, todos admitem que a tendência é que o tema venha a ser debatido judicialmente.

 

Importante esclarecer, desde logo, que a indenização mencionada pelo artigo 486 da CLT se restringe, tão somente, à multa do FGTS, não fazendo qualquer menção às demais verbas trabalhistas, como salário, férias, décimo, aviso prévio etc.

 

Para que ocorra a incidência do instituto, conhecido no mundo jurídico como "fato do príncipe", e consequentemente o dever de indenizar, é necessário que reste caracterizada a imprevisibilidade do evento (pandemia) e o nexo causal entre o ato da Administração e os danos ou prejuízos daí decorrentes. Além disso, é importante observar se o empregador concorreu ou não para o ato. In casu, é evidente que não.

 

Para melhor análise do caso concreto, será imprescindível analisar se o ato governamental, seja ele municipal, estadual ou federal, está ou não de acordo com recomendações técnicas ou se a medida se mostrou exagerada ou inadequada.

 

Uma vez que reste comprovado que o isolamento social e a paralisação das atividades comerciais foram adequadas para o momento de crise, seguindo as recomendações técnicas e diretrizes da Organização Mundial da Saúde, a tendência é que seja afastada qualquer obrigação de indenização pelo governo responsável por impor a medida.

 

Ao contrário, se a medida da Administração Pública se mostrar exagerada e fora do contexto para o momento, é possível que o governo venha a ser condenado tão somente ao pagamento das indenizações acima mencionada (FGTS).

 

Não se pode negar que estamos enfrentando um cenário complexo e intimidador, onde as dúvidas certamente são maiores do que as convicções. Não é diferente com o setor empresarial e com as relações de trabalho, onde algumas respostas somente virão com o passar do tempo.

 

Bom final de semana da todos!

 

Sidclei José de Godois

OAB/PR 50.331

[email protected]

 

Ademir Gonçalves de Araújo

OAB/PR 54.449

[email protected]